quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Ângela, educação entrou na sua vida como “vocação”, “desejo”, “falta de opção”...?




E educação estar presente em minha vida desde que eu comecei a me entender como cidadã responsável pela transformação do meio ao qual estava inserida. Na infância vivi num ambiente patriarcal, racista e escravocrata. A mulher só era respeitada se ao seu lado estivesse um homem. Minha mãe revolucionária, sem ter freqüentado a escola o saber sistematizado historicamente pelo homem, decidiu dizer “não” ao meu pai que acreditava que mulher tinha a função exclusiva de procriar e viver em função de sua prole. Separou-se. Meu avô, Anísio Santos Eça, detentor do clã e suas tradições, faleceu. Neste momento, adentrei no mundo capitalista, aos 14 anos de idade. Minha família não detinha mais o poder, o coronelismo decaiu, o cacau já não era mais ouro. O poder passa a ser uma conquista e não uma hereditariedade. E esse precisava de busca. “Liberdade de expressão” através do saber adquirido com leituras, vivências, trabalho formal, cuidadora das classes pouco prestigiadas. Passei a vivenciar, profissionalmente, no mundo dos favorecidos financeiramente, trabalhava em concessionária de veículos automotivos; e no seio familiar tinha privações materiais das mais simples, alimento. Contudo o alimento moral e espiritual foi forte e determinante. Não participei de nenhum momento histórico oficial, já que lutava pelo mínimo. Engajada estava a promover a mim e a todas as pessoas ao meu redor a ter oportunidades iguais. No ano de 1997 estava entre as pessoas selecionadas, através do vestibular, para cursar Letras, noturno. A primeira geração da minha família que participava do universo do saber sistematizado historicamente numa universidade. Felicidade. Orgulho. Desejo de proporcionar a todo o ser humano a experiência de conviver com um universo diverso de idéias e práticas. De sonhos e pesadelos. Participava de poucos eventos políticos, viagens, cursos, intercâmbio. Precisava prover a mim e minha mãe do alimento para o corpo. Final de 1998, minha mãe assume um relacionamento homossexual. A estudante universitária, a cidadão que lutava pelos fracos e oprimidos decide morrer porque sua mãe enfrentou a sociedade e deixou florescer o desejo que sentia por uma pessoa do mesmo sexo. Morrer? Não persuadir sem argumentação. Estão juntas até hoje, um casal digno de ser exemplo para qualquer sociedade que não cultiva a bigamia. Findo o curso, 2000, presto concurso para docência na Secretária da Educação do Estado da Bahia, na cidade de Uauá, onde ninguém conhece minha história. Decido ser mãe, ou melhor, sou convidada a exercer a maternidade, convite realizado pelo mundo espiritual. Estou solteira. Aceito o convite. Sei o momento exato que minha filha Lua foi fecundada. Seu nome também é escolhido pelo meu guia espiritual. Sai a convocação para lecionar. Embarco num ônibus, eu e minha filha ainda no ventre, rumo a energia de Antonio Conselheiro. Uauá é vizinha do Monte Santo, em Canudos. “Terra estranha, gente esquisita”. A força do catingueiro invade meu ser. Há vida em todo e qualquer lugar. Há cultura, e cultura, e cultura. Não existe o certo e o errado de uma forma regular. Existem versões da história, de vidas, de amores, de saberes, de fazeres, de olhares... Venho parir em Jequié, já entendendo a realidade conjugal de minha mãe. Faltando uma semana para retornar a Uauá sou convocada para lecionar em Ubatã, sul da Bahia (um segundo concurso que prestei, também a Secretaria da Educação do Estado da Bahia). Decido ser ubatense. Alugo uma casa e vou construir um lar com Lua e minha nova família formada pelos colegas do Colégio Estadual de Ubatã- CEU. São três anos de dedicação exclusiva ao CEU. Elaboro o Projeto “Café da Tarde”, eu e as alunas da 8ª série, ensino fundamental de 8 anos, elaboramos temas para serem discutidos no seio familiar, junto com os vizinhos e vizinhas. Todas as contribuições são bem vindas. A casa das alunas não cabia a turma, nem tinham cadeiras suficientes para todas as pessoas presentes. Os vizinhos contribuíam com idéias, cadeiras e espaços nas calçadas. Que delícia dialogar sobre a oportunidade de direitos para todas as pessoas com as próprias pessoas e in loco. Beber o café coado com a sabedoria de antepassados que chegaram para erguer história na comunidade. Degustar o biscoito que foi comprado não para matar a fome, mas para acompanhar a prosa. É o nirvana. Percebo que a escola carinhosamente chamada de céu, para alguns é sinônimo de presídio. Surge a idéia de elaborar o Projeto “Pombo Correio”: faríamos uma parceria o a penitenciária de Jequié e o Colégio, onde os alunos e alunas iram descrever, narrar e dissertar sobre a realidade de suas vidas como presos. Iria relatar sobre sua experiência como detento “homens fora da lei”. Iniciamos as trocas de correspondência. Com a ajuda da Pastoral Carcerária. Quanta dor dos dois lados, já que muitos estudantes tinham amigos, parentes, pais, mães dentro de sistema penitenciário. Recebemos na escola a visita de três detentos que estavam em processo de soltura para relatar as agruras de uma vida cerceada de liberdade. Num segundo momento viemos a conhecer o presídio, suas carência, seus gostos e desgostos. Levamos material de higiene pessoal. Um pesadelo visto para evitar um sonho pesadelo. A TV Sudoeste esteve presente. Oportunizamos não só os estudantes do CEU a saberem o que é um presídio, mas todo telespectador do sudoeste baiano. Passados 04 anos retorno para minha terra natal, Jequié. Vou lecionar no Colégio Estadual Anita Rabelo, KM 04, diretora Vaneide Freitas. Uma comunidade riquíssima de saberes populares. A comunidade escolar é constituída basicamente de afro-brasileiros. Elaboro o projeto “As telenovelas globais no universo feminino do KM 04”. Como é saboroso falar a mesma língua dos estudantes. Estudávamos textos de telenovelas atuais e as telenovelas que nossas mães assistiram. Dialogávamos sobre as pretensões dos escritores de novelas. A leitura das imagens, sem as falas. Como a comunidade do KM 04 se enxergava na novela de Manoel Braga “Páginas da vida”. Desconstruir as páginas da vida global e construir as páginas da vida das adolescentes negras do KM 04. O ODEERE(Órgão de Educação e Relações Étnicas com Ênfase em Culturas Afro-Brasileiras, Uesb, campus de Jequié) era minha segunda casa.  Mais uma vez ensinando aprendi muito mais sobre mim, a realidade que me cerca, sobre os discursos e práticas das educadoras e educadores. Plenitude. 2007, recebo o convite para assumir a direção do Colégio Estadual Duque de Caxias. Proposta do PCdoB e APLB Sindicato.
A educação não entrou na minha vida é a minha vida. É o meu ser. O meu fazer. Aprendo e ensino a todo milésimo de segundo.

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