E educação estar presente em minha
vida desde que eu comecei a me entender como cidadã responsável pela
transformação do meio ao qual estava inserida. Na infância vivi num ambiente
patriarcal, racista e escravocrata. A mulher só era respeitada se ao seu lado
estivesse um homem. Minha mãe revolucionária, sem ter freqüentado a escola o
saber sistematizado historicamente pelo homem, decidiu dizer “não” ao meu pai
que acreditava que mulher tinha a função exclusiva de procriar e viver em
função de sua prole. Separou-se. Meu avô, Anísio Santos Eça, detentor do clã e
suas tradições, faleceu. Neste momento, adentrei no mundo capitalista, aos 14
anos de idade. Minha família não detinha mais o poder, o coronelismo decaiu, o
cacau já não era mais ouro. O poder passa a ser uma conquista e não uma
hereditariedade. E esse precisava de busca. “Liberdade de expressão” através do
saber adquirido com leituras, vivências, trabalho formal, cuidadora das classes
pouco prestigiadas. Passei a vivenciar, profissionalmente, no mundo dos
favorecidos financeiramente, trabalhava em concessionária de veículos
automotivos; e no seio familiar tinha privações materiais das mais simples,
alimento. Contudo o alimento moral e espiritual foi forte e determinante. Não
participei de nenhum momento histórico oficial, já que lutava pelo mínimo.
Engajada estava a promover a mim e a todas as pessoas ao meu redor a ter
oportunidades iguais. No ano de 1997 estava entre as pessoas selecionadas,
através do vestibular, para cursar Letras, noturno. A primeira geração da minha
família que participava do universo do saber sistematizado historicamente numa
universidade. Felicidade. Orgulho. Desejo de proporcionar a todo o ser humano a
experiência de conviver com um universo diverso de idéias e práticas. De sonhos
e pesadelos. Participava de poucos eventos políticos, viagens, cursos,
intercâmbio. Precisava prover a mim e minha mãe do alimento para o corpo. Final
de 1998, minha mãe assume um relacionamento homossexual. A estudante
universitária, a cidadão que lutava pelos fracos e oprimidos decide morrer
porque sua mãe enfrentou a sociedade e deixou florescer o desejo que sentia por
uma pessoa do mesmo sexo. Morrer? Não persuadir sem argumentação. Estão juntas
até hoje, um casal digno de ser exemplo para qualquer sociedade que não cultiva
a bigamia. Findo o curso, 2000, presto concurso para docência na Secretária da
Educação do Estado da Bahia, na cidade de Uauá, onde ninguém conhece minha
história. Decido ser mãe, ou melhor, sou convidada a exercer a maternidade,
convite realizado pelo mundo espiritual. Estou solteira. Aceito o convite. Sei
o momento exato que minha filha Lua foi fecundada. Seu nome também é escolhido pelo
meu guia espiritual. Sai a convocação para lecionar. Embarco num ônibus, eu e
minha filha ainda no ventre, rumo a energia de Antonio Conselheiro. Uauá é
vizinha do Monte Santo, em Canudos. “Terra estranha, gente esquisita”. A força
do catingueiro invade meu ser. Há vida em todo e qualquer lugar. Há cultura, e
cultura, e cultura. Não existe o certo e o errado de uma forma regular. Existem
versões da história, de vidas, de amores, de saberes, de fazeres, de olhares...
Venho parir em Jequié, já entendendo a realidade conjugal de minha mãe.
Faltando uma semana para retornar a Uauá sou convocada para lecionar em Ubatã,
sul da Bahia (um segundo concurso que prestei, também a Secretaria da Educação
do Estado da Bahia). Decido ser ubatense. Alugo uma casa e vou construir um lar
com Lua e minha nova família formada pelos colegas do Colégio Estadual de
Ubatã- CEU. São três anos de dedicação exclusiva ao CEU. Elaboro o Projeto
“Café da Tarde”, eu e as alunas da 8ª série, ensino fundamental de 8 anos,
elaboramos temas para serem discutidos no seio familiar, junto com os vizinhos
e vizinhas. Todas as contribuições são bem vindas. A casa das alunas não cabia
a turma, nem tinham cadeiras suficientes para todas as pessoas presentes. Os
vizinhos contribuíam com idéias, cadeiras e espaços nas calçadas. Que delícia
dialogar sobre a oportunidade de direitos para todas as pessoas com as próprias
pessoas e in loco. Beber o café coado
com a sabedoria de antepassados que chegaram para erguer história na
comunidade. Degustar o biscoito que foi comprado não para matar a fome, mas
para acompanhar a prosa. É o nirvana. Percebo que a escola carinhosamente
chamada de céu, para alguns é sinônimo de presídio. Surge a idéia de elaborar o
Projeto “Pombo Correio”: faríamos uma parceria o a penitenciária de Jequié e o
Colégio, onde os alunos e alunas iram descrever, narrar e dissertar sobre a
realidade de suas vidas como presos. Iria relatar sobre sua experiência como
detento “homens fora da lei”. Iniciamos as trocas de correspondência. Com a ajuda
da Pastoral Carcerária. Quanta dor dos dois lados, já que muitos estudantes
tinham amigos, parentes, pais, mães dentro de sistema penitenciário. Recebemos
na escola a visita de três detentos que estavam em processo de soltura para
relatar as agruras de uma vida cerceada de liberdade. Num segundo momento
viemos a conhecer o presídio, suas carência, seus gostos e desgostos. Levamos
material de higiene pessoal. Um pesadelo visto para evitar um sonho pesadelo. A
TV Sudoeste esteve presente. Oportunizamos não só os estudantes do CEU a
saberem o que é um presídio, mas todo telespectador do sudoeste baiano.
Passados 04 anos retorno para minha terra natal, Jequié. Vou lecionar no
Colégio Estadual Anita Rabelo, KM 04, diretora Vaneide Freitas. Uma comunidade
riquíssima de saberes populares. A comunidade escolar é constituída basicamente
de afro-brasileiros. Elaboro o projeto “As telenovelas globais no universo
feminino do KM 04”. Como é saboroso falar a mesma língua dos estudantes.
Estudávamos textos de telenovelas atuais e as telenovelas que nossas mães
assistiram. Dialogávamos sobre as pretensões dos escritores de novelas. A
leitura das imagens, sem as falas. Como a comunidade do KM 04 se enxergava na
novela de Manoel Braga “Páginas da vida”. Desconstruir as páginas da vida
global e construir as páginas da vida das adolescentes negras do KM 04. O
ODEERE(Órgão de Educação e Relações Étnicas com Ênfase em
Culturas Afro-Brasileiras, Uesb, campus de Jequié) era minha segunda
casa. Mais uma vez ensinando aprendi muito
mais sobre mim, a realidade que me cerca, sobre os discursos e práticas das
educadoras e educadores. Plenitude. 2007, recebo o convite para assumir a
direção do Colégio Estadual Duque de Caxias. Proposta do PCdoB e APLB
Sindicato.
A educação não entrou na minha vida é
a minha vida. É o meu ser. O meu fazer. Aprendo e ensino a todo milésimo de
segundo.
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