segunda-feira, 6 de agosto de 2012

“Como promover o sucesso da aprendizagem do aluno e a sua permanência na escola?”

"se, afinal, é fácil mostrar porque não é tão surpreendente que as crianças de meios populares fracassem, ficamos sem explicação diante daquelas que obtêm sucesso" (CHARLOT, 1996).

O Sucesso da aprendizagem do estudante e sua permanência na escola são efetivados ao despertarmos o sentimento de pertença e a certeza de que não existe saber mais ou saber menos, existe saberes diferentes, como afirma Paulo Freire. Uma comunidade quilombola, como a nossa, tem como público alvo estudantes com pais e mães de baixa escolaridade o que não significa omissão parental ou maternal, como muitos docentes afirmam.  A crença de que os pais das camadas populares não participam da vida escolar dos filhos é uma falácia. Estes pais, direta e indiretamente, participam das mais variadas formas na vida escolar dos filhos, como: compram cadernos, ficam atentos para que os filhos se deitem cedo, os castiga quando os resultados não são satisfatórios etc. Os pais não são indiferentes aos comportamentos e aos desempenhos escolares dos filhos. Nem os estudantes estão alheios ao saber historicamente sistematizado.  A sua permanência na escola em muitos casos não ocorrem por falta de pedagogia, de conhecimento do perfil da comunidade, por falta de ligação entre o saber formal e o informal.
A educação, entendida como um processo de desenvolvimento da capacidade intelectual do ser humano tem um significado amplo e abrange aos vários meios freqüentados por esse. É um processo único, associado quase sempre à escola. A educação com reconhecimento oficial, oferecida nas escolas em cursos com níveis, graus, programas, currículos e diplomas, costuma ser chamada de educação formal. É uma instituição muito antiga, cuja origem está ligada ao desenvolvimento de nossa civilização e ao acervo de conhecimentos por ela gerados. É a história contada pelas classes dominantes.
O caminho do sucesso acadêmico será árduo até o momento em que as escolas se apropriarem de sua cultura. O currículo ainda é estreito, focalizado inteiramente em obras literárias e filosóficas. Os estudantes ainda são induzidos a memorizar preceitos, polir suas habilidades e negar sua cultura local. Assim como há lugar para morar, trabalhar e rezar há muito tempo se estabeleceu e se destinou um lugar para ensinar e aprender. A da escola.
A vida cotidiana sempre exigiu muito mais do que o conhecimento dos saberes apresentados formalmente nas disciplinas escolares. Há muito mais a aprender e desde muito cedo: a língua materna, tarefas domésticas, normas de comportamento, rezar, caçar, pescar, cantar e dançar – sobreviver, enfim. E, para tanto, sempre existiu, também desde muito cedo, uma educação informal, a escola da vida, de mil milênios de existência.
A permanência do estudante na escola depende deste estreitamento entre os sabres, e a valorização de diversas culturas.
Na educação informal, não há lugar, horários ou currículos. Os conhecimentos são partilhados em meio a uma interação sociocultural que tem, como única condição necessária e suficiente, existir quem saiba e quem queira ou precise saber. Nela, ensino e aprendizagem ocorrem espontaneamente, sem que, na maioria das vezes, os próprios participantes do processo deles tenham consciência. Estas duas formas de educar, formal e informal, facilmente reconhecidas por suas características bem distintas e definidas, precisam se utilizar o melhor que uma pode oferecer a outra. A aprendizagem faz parte do humano, assim não podemos conceber a evasão escolar como algo normal. Normal e querer ir além. E a escola pode se utilizar do conhecimento informal para obter o formal, para que isso aconteça precisamos visitar espaços específicos, como centros culturais, jardins, rios, museus, bibliotecas. Ou ainda, ao ar livre, em praças, feiras, rodoviárias e onde mais as pessoas possam partilhar saber e arte com seus semelhantes. Podemos encontrar alguns obstáculos, não intransponíveis, a educação em ciências, sobretudo das ciências exatas, que traz a muitos educadores algumas dúvidas e inquietações. As mais comuns se referem à impossibilidade de ensinar e aprender ciências nesses ambientes.
Será possível ensinar e aprender dessa forma. Quando os conteúdos deixarem de vez o inatingível e passar a fazer parte do dia a dia, de suas sensações, sem que se obedeça ao rígido ordenamento lógico característico do conhecimento historicamente sistematizado que a educação formal oferece. Para muitos pode parecer utopia. Alguns, mais radicais, acreditam que essa forma de apresentar não é eficaz para a atual sociedade. Como podem acreditar em tais afirmações se as crianças de hoje são mais espertas que as de ontem. Permanecer na escola é apenas uma questão de viabilidade, interação, interligação, união.
Nós os responsáveis pelo saber historicamente sistematizado formal preferimos ignorar essa realidade e colocar o saudosismo como a certeza da educação perfeita. Consciente ou inconscientemente, muitos temem que essa discussão só contribua para colocar em xeque a validade das escolas, sempre carentes de apoio e de recursos. Como se a omissão ao debate impedisse de fato a evasão. Como se a mudança de postura dos educadores fosse um sacrilégio.
Na minha pouca vivência em sala de aula e gestão escolar, agora com a visão mais aflorada devido aos debates e leituras sugeridas pelo Programa de formação de gestoras Progestão Estadual, ficou evidente a eficiência da interação verbal desencadeada por provocações, questões que estimulavam os estudantes a pensar e a manifestar-se. Não me refiro à pirotecnia ou a efeitos especiais cinematográficos. A questão e a demonstração do nosso meio, o conhecer da nossa história o indagar de nossa missão aqui nesta comunidade. Ao contrário de perguntas teóricas – em relação às quais a resposta é quase sempre um silêncio tão constrangedor que os docentes costumam respondê-las logo depois que as formulam –, nas demonstrações tendo o nosso meio como estímulo, a omissão sempre foi mínima. Sempre houve intensa participação, as respostas foram muitas e, não raro, surgiam criativas teorias. Aprender é redescobrir.
Segundo Vygotsky, o conhecimento é transferido daqueles que o detêm para aqueles que devem ou querem adquiri-lo por meio da linguagem. É a linguagem que origina o pensamento. A transferência cognitiva de determinado conceito de um docente aos seus discentes pode ser comparada à transferência de um programa de um computador para outro. Essa transferência, no entanto, não se faz diretamente, num sequenciamento ordenada de impulsos eletromagnéticos, como ocorre entre computadores. O meio que a possibilita, ou seja, a forma pela qual um aluno pode apropriar-se do “programa” do professor é a linguagem, a interação verbal e simbólica utilizada nessa transferência. Mas, ao contrário do que ocorre costumeiramente com os computadores, que, ou têm memória suficiente e permitem a instalação imediata do programa, ou não a têm e não o instalam, o cérebro humano constrói a “memória” de que precisa enquanto instala o programa. Em outras palavras, nossa mente cria as estruturas cognitivas necessárias à compreensão de um determinado conceito à medida que esse conceito é ensinado, ou melhor, à medida que esse conceito está sendo aprendido. Trata-se também de um processo biológico e, como tal, podem durar alguns minutos, uma aula, um mês, um ano ou mais. Depende da forma como o novo conhecimento é apresentado, do desnível cognitivo a ser superado e da complexidade das estruturas mentais.
Vygotsky estabelece relações claras e explícitas entre o ensino informal e o ensino formal. Na sua nomenclatura, o primeiro dá origem aos conceitos espontâneos, e o segundo, aos conceitos científicos. Os conceitos científicos, nesse caso, não se referem exclusivamente a conteúdos tradicionais de ciências, mas a todo conteúdo de qualquer disciplina formal. A idéia básica, inicial, leva em conta que a aquisição cognitiva de um novo conceito, espontâneo ou científico, é sempre um processo de construção gradativo que se assenta em alicerçares previamente construídos que, por sua vez, são também conceitos espontâneos ou científicos.
O entendimento formulado por Vygotsky desse processo é amplo, geral e irrestrito. A construção do novo conceito é mais fácil para o aprendiz que tiver na mente alguma pré-concepção a ele relacionada, mesmo imperfeita ou fragmentada. A inexistência de qualquer pré-concepção é sempre uma agravante à construção desse conceito.
A aprendizagem de um novo conceito é um processo de desenvolvimento cognitivo longo, cuja construção apenas começa na ocasião em que ele é ensinado. Essa construção, por sua vez, se assenta na estrutura cognitiva que o aprendiz desenvolveu até esse momento, num processo contínuo iniciado desde os seus primeiros dias de vida em sociedade.
Dessa forma, quanto mais rica a vivência sociocultural proporcionada a uma criança, maior a capacidade linguística, verbal e simbólica que ela será capaz de adquirir o maior o acervo cognitivo de percepções sensoriais que ela poderá acumular. E isso pode acontecer na escola e fora dela, em casa, nas ruas, nos parques.
Se a aprendizagem gera o desenvolvimento cognitivo, a educação formal será sempre necessária, pois, mais do que transmitir conhecimento, ela possibilita e garante o desenvolvimento das estruturas cognitivas necessárias para que esse conhecimento seja adquirido e legado às novas gerações.
Ambas, educação formal e informal, reforçam-se mutuamente. Certamente, pode haver desafios e estímulos mais ou menos motivadores, apresentações ou exposições mais ou menos provocadoras e estimulantes, mas não há nada pior do que a ausência desses estímulos e desafios, sobretudo em relação à disseminação do conhecimento. Esta é a chave da permanência do estudante na escola.

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