O
Sucesso da aprendizagem do estudante e sua permanência na escola são efetivados
ao despertarmos o sentimento de pertença e a certeza de que não existe saber
mais ou saber menos, existe saberes diferentes, como afirma Paulo Freire. Uma
comunidade quilombola, como a nossa, tem como público alvo estudantes com pais
e mães de baixa escolaridade o que não significa omissão parental ou
maternal, como muitos docentes afirmam.
A crença de que os pais das camadas populares não participam da vida
escolar dos filhos é uma falácia. Estes pais, direta e indiretamente,
participam das mais variadas formas na vida escolar dos filhos, como: compram
cadernos, ficam atentos para que os filhos se deitem cedo, os castiga quando os
resultados não são satisfatórios etc. Os pais não são indiferentes aos
comportamentos e aos desempenhos escolares dos filhos. Nem os estudantes estão
alheios ao saber historicamente sistematizado.
A sua permanência na escola em muitos casos não ocorrem por falta de
pedagogia, de conhecimento do perfil da comunidade, por falta de ligação entre
o saber formal e o informal.
A educação, entendida como um processo de desenvolvimento da
capacidade intelectual do ser humano tem um significado amplo e abrange aos
vários meios freqüentados por esse. É um processo único, associado quase sempre
à escola. A educação com reconhecimento oficial, oferecida nas escolas em
cursos com níveis, graus, programas, currículos e diplomas, costuma ser chamada
de educação formal. É uma instituição muito antiga, cuja origem está ligada
ao desenvolvimento de nossa civilização e ao acervo de conhecimentos por ela
gerados. É a história contada pelas classes dominantes.
O caminho do sucesso acadêmico será árduo até o momento em que as
escolas se apropriarem de sua cultura. O currículo ainda é estreito, focalizado
inteiramente em obras literárias e filosóficas. Os estudantes ainda são
induzidos a memorizar preceitos, polir suas habilidades e negar sua cultura
local. Assim como há lugar para morar, trabalhar e rezar há muito tempo se
estabeleceu e se destinou um lugar para ensinar e aprender. A da escola.
A vida cotidiana sempre exigiu muito mais do que o conhecimento
dos saberes apresentados formalmente nas disciplinas escolares. Há muito mais a
aprender e desde muito cedo: a língua materna, tarefas domésticas, normas de
comportamento, rezar, caçar, pescar, cantar e dançar – sobreviver, enfim. E,
para tanto, sempre existiu, também desde muito cedo, uma educação informal,
a escola da vida, de mil milênios de existência.
A permanência do estudante na escola depende deste estreitamento
entre os sabres, e a valorização de diversas culturas.
Na educação informal, não há lugar, horários ou currículos. Os conhecimentos
são partilhados em meio a uma interação sociocultural que tem, como única
condição necessária e suficiente, existir quem saiba e quem queira ou precise
saber. Nela, ensino e aprendizagem ocorrem espontaneamente, sem que, na maioria
das vezes, os próprios participantes do processo deles tenham consciência.
Estas duas formas de educar, formal e informal, facilmente reconhecidas por
suas características bem distintas e definidas, precisam se utilizar o melhor
que uma pode oferecer a outra. A aprendizagem faz parte do humano, assim não
podemos conceber a evasão escolar como algo normal. Normal e querer ir além. E
a escola pode se utilizar do conhecimento informal para obter o formal, para
que isso aconteça precisamos visitar espaços específicos, como centros
culturais, jardins, rios, museus, bibliotecas. Ou ainda, ao ar livre, em
praças, feiras, rodoviárias e onde mais as pessoas possam partilhar saber e
arte com seus semelhantes. Podemos encontrar alguns obstáculos, não
intransponíveis, a educação em ciências, sobretudo das ciências exatas, que
traz a muitos educadores algumas dúvidas e inquietações. As mais comuns se
referem à impossibilidade de ensinar e aprender ciências nesses ambientes.
Será possível ensinar e aprender dessa forma. Quando os conteúdos
deixarem de vez o inatingível e passar a fazer parte do dia a dia, de suas
sensações, sem que se obedeça ao rígido ordenamento lógico característico do
conhecimento historicamente sistematizado que a educação formal oferece. Para
muitos pode parecer utopia. Alguns, mais radicais, acreditam que essa forma de
apresentar não é eficaz para a atual sociedade. Como podem acreditar em tais
afirmações se as crianças de hoje são mais espertas que as de ontem. Permanecer
na escola é apenas uma questão de viabilidade, interação, interligação, união.
Nós os responsáveis pelo saber historicamente sistematizado formal
preferimos ignorar essa realidade e colocar o saudosismo como a certeza da
educação perfeita. Consciente ou inconscientemente, muitos temem que essa
discussão só contribua para colocar em xeque a validade das escolas, sempre
carentes de apoio e de recursos. Como se a omissão ao debate impedisse de fato
a evasão. Como se a mudança de postura dos educadores fosse um sacrilégio.
Na minha pouca vivência em sala de aula e gestão escolar, agora
com a visão mais aflorada devido aos debates e leituras sugeridas pelo Programa
de formação de gestoras Progestão Estadual, ficou evidente a eficiência da
interação verbal desencadeada por provocações, questões que estimulavam os estudantes
a pensar e a manifestar-se. Não me refiro à pirotecnia ou a efeitos especiais
cinematográficos. A questão e a demonstração do nosso meio, o conhecer da nossa
história o indagar de nossa missão aqui nesta comunidade. Ao contrário de
perguntas teóricas – em relação às quais a resposta é quase sempre um silêncio
tão constrangedor que os docentes costumam respondê-las logo depois que as formulam
–, nas demonstrações tendo o nosso meio como estímulo, a omissão sempre foi
mínima. Sempre houve intensa participação, as respostas foram muitas e, não
raro, surgiam criativas teorias. Aprender é redescobrir.
Segundo Vygotsky, o conhecimento é transferido daqueles que o
detêm para aqueles que devem ou querem adquiri-lo por meio da linguagem. É a
linguagem que origina o pensamento. A transferência cognitiva de determinado
conceito de um docente aos seus discentes pode ser comparada à transferência de
um programa de um computador para outro. Essa transferência, no entanto, não se
faz diretamente, num sequenciamento ordenada de impulsos eletromagnéticos, como
ocorre entre computadores. O meio que a possibilita, ou seja, a forma pela qual
um aluno pode apropriar-se do “programa” do professor é a linguagem, a
interação verbal e simbólica utilizada nessa transferência. Mas, ao contrário
do que ocorre costumeiramente com os computadores, que, ou têm memória suficiente
e permitem a instalação imediata do programa, ou não a têm e não o instalam, o
cérebro humano constrói a “memória” de que precisa enquanto instala o programa.
Em outras palavras, nossa mente cria as estruturas cognitivas necessárias à
compreensão de um determinado conceito à medida que esse conceito é ensinado,
ou melhor, à medida que esse conceito está sendo aprendido. Trata-se também de
um processo biológico e, como tal, podem durar alguns minutos, uma aula, um
mês, um ano ou mais. Depende da forma como o novo conhecimento é apresentado,
do desnível cognitivo a ser superado e da complexidade das estruturas mentais.
Vygotsky estabelece relações claras e explícitas entre o ensino informal
e o ensino formal. Na sua nomenclatura, o primeiro dá origem aos conceitos
espontâneos, e o segundo, aos conceitos científicos. Os conceitos científicos,
nesse caso, não se referem exclusivamente a conteúdos tradicionais de ciências,
mas a todo conteúdo de qualquer disciplina formal. A idéia básica, inicial,
leva em conta que a aquisição cognitiva de um novo conceito, espontâneo ou
científico, é sempre um processo de construção gradativo que se assenta em alicerçares
previamente construídos que, por sua vez, são também conceitos espontâneos ou científicos.
O entendimento formulado por Vygotsky desse processo é amplo, geral
e irrestrito. A construção do novo conceito é mais fácil para o aprendiz que
tiver na mente alguma pré-concepção a ele relacionada, mesmo imperfeita ou
fragmentada. A inexistência de qualquer pré-concepção é sempre uma agravante à
construção desse conceito.
A aprendizagem de um novo conceito é um processo de desenvolvimento
cognitivo longo, cuja construção apenas começa na ocasião em que ele é
ensinado. Essa construção, por sua vez, se assenta na estrutura cognitiva que o
aprendiz desenvolveu até esse momento, num processo contínuo iniciado desde os
seus primeiros dias de vida em sociedade.
Dessa forma, quanto mais rica a vivência sociocultural proporcionada
a uma criança, maior a capacidade linguística, verbal e simbólica que ela será
capaz de adquirir o maior o acervo cognitivo de percepções sensoriais que ela
poderá acumular. E isso pode acontecer na escola e fora dela, em casa, nas
ruas, nos parques.
Se a aprendizagem gera o desenvolvimento cognitivo, a educação
formal será sempre necessária, pois, mais do que transmitir conhecimento, ela
possibilita e garante o desenvolvimento das estruturas cognitivas necessárias
para que esse conhecimento seja adquirido e legado às novas gerações.
Ambas, educação formal e informal, reforçam-se
mutuamente. Certamente, pode haver desafios e estímulos mais ou menos
motivadores, apresentações ou exposições mais ou menos provocadoras e
estimulantes, mas não há nada pior do que a ausência desses estímulos e
desafios, sobretudo em relação à disseminação do conhecimento. Esta é a chave
da permanência do estudante na escola.
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